Historial

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     "Vimos uma terra toda coberta de arvoredo até ao mar e daquela banda a névoa não descia do cume (...) Vimos uma baía grande..." ( Francisco Alcoforado, cronista do século XV)

Era assim que descrevia o cronista a terra que hoje se chama Machico quando aqui chegaram os marinheiros experientes, Tristão Vaz e João Gonçalves Zarco, numa tarde calma do dia 1 de Julho de 1419. 


Depois de (re)descoberto o lugar de Machico, importa saber a origem deste nome tão singular. Muitas hipóteses já surgiram e a mais romântica tem origem numa história de amor que conta a tragédia dos malogrados amantes ingleses Robert Machim e Ana d'Arfet, que depois de terem fugido de Inglaterra por verem o seu amor condenado, sofreram um naufrágio e acabaram por morrer em Machico, pois reza a lenda que duas cruzes foram encontradas pelos marinheiros portugueses e daí pensar-se que o nome da localidade advém da corruptela do vocábulo Machim.


Das duas capitanias constituídas na Ilha da Madeira, uma delas terá sede em Machico, com Tristão Vaz como capitão-donatário e com uma área que começa na Ponta da Oliveira (Caniço), estende-se até à Ponta de S. Lourenço (Caniçal) e acaba na Ponta do Tristão (Porto Moniz). Os atuais concelhos da costa norte (Porto Moniz, S. Vicente, Santana, Machico e uma boa parte de Santa Cruz) preenchiam estes vastos domínios. De início, a capitania conheceu um desenvolvimento económico muito rápido, graças à produção da cana de açúcar, chegando a ombrear com a do Funchal e até a tendo ultrapassado em prosperidade e importância. O bom solo e a luminosidade das terras do sul da capitania de Machico irão permitir o cultivo deste produto em abundância e em articulação com as terras do norte onde vai buscar a água e as madeiras para a laboração dos engenhos que aqui foram construídos para transformação da cana sacarina em açúcar, mel e aguardente. Dessa atividade industrial ainda hoje se mantém vivo o engenho do Porto da Cruz, um marco importante da história económica e da arquitetura industrial de Machico.

Abordemos, então o espaço, tendo sempre em conta que os aspetos económicos, sociais, culturais e políticos foram decisivos na transformação física e humana deste lugar.

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Mapa da MADEIRA

 

A nossa Escola está localizada no vale de Machico, cuja extensão é de 5/6 Km e com 2/3 Km de largura.

Este vale fica situado na zona leste da Ilha da Madeira e é atravessado por um curso de água que desagua no Atlântico. É um lugar aprazível, onde o mar e a serra estão em constante diálogo. O centro da antiga vila que hoje é cidade assenta na extrema baixa do vale, à beira-mar. As abundantes águas da famosa ribeira cortam o núcleo urbano em duas partes ou em aglomerados populacionais: a Oeste fica a parte antiga, com edifícios que lembram uma arquitectura com raízes nos primeiros modelos de construção civil, à mistura com modelos mais recentes e que obedecem a outras exigências sociais, económicas e tecnológicas; é aqui que se encontra a Igreja Matriz, os Paços do Concelho, os hotéis, os restaurantes, os Correios, os bancos, os serviços principais, as pracetas e praças, a Alameda de antigos e corpulentos plátanos; para leste, e depois de atravessada a ponte principal, temos um bairro de cariz muito popular, a Banda d′ Além, arrabalde de pescadores, de ruelas tortuosas e becos escondidos, de casario pequeno e aglomerado que sobe a encosta do vale em anfiteatro e pára na base do Pico do Facho; é também aqui, nesta banda, que se situa a Igreja de Cristo ou Capela do Senhor dos Milagres, o posto da Polícia, a Santa Casa da Misericórdia (recentemente construída e que funciona como Lar da Terceira Idade) e o famoso cais do desembarcadouro.

Pensemos, primeiro, na arte de construir. A casa é, acima de tudo, uma obra do homem, um facto de cultura. A primeira arquitetura segue os moldes continentais, construída por mestres idos do reino e pagos por pessoas com alguma abastança. Olhemos atentamente para os espaços criados para abrigo das famílias, dos animais e também de resguardo de mecanismos de transformação dos produtos da lavoura e da natureza, e respetivo armazenamento que nos contam a história do lugar. As casas são construídas sempre em articulação com as atividades agrárias e condicionadas pela falta de solo que escasseia, pelas caraterísticas do terreno, pelo clima, pelos materiais naturais disponíveis. Primeiro existia a casa individual, dependente da produção variada da terra e do artesanato, com um "quintal" (espaço aberto, situado à frente da casa e onde se passava a maior parte do dia). Casas em alvenaria de pedra com cobertura de telha e outras casas em pedra aparelhada cobertas de palha.

A casa é, acima de tudo, uma obra do homem, um facto de cultura. Nos séculos XVII e XVIII mantém-se a herança dos séculos anteriores e dá-se a estabilização dos modelos urbanos e rurais: casas de morgados (no centro da vila, essencialmente), casas de lavradores (espalhadas pelo vale e quase sempre sobradas e de dois pisos ou um só, com telhados baixos e de recurso ao contrafeito para melhor escoamento de águas sobre o beiral simples ou duplo), casas de agricultores pobres e de pescadores, com cobertura de palha, habitada, muitas vezes, por duas famílias: uma a usar o "empeno" (parte correspondente ao primeiro piso, com cobertura em forma de empena) e a outra, o rés-do-chão, inicialmente com o piso em terra batida ou calçada de calhau rolado, mais tarde de soalho. Partia-se da "solução básica de um só compartimento onde se desenvolve a totalidade das relações do habitar. Temos a atividade do cozinhar partilhada com o dormir, comer e conviver". A comida era confecionada numa lareira improvisada no chão de terra batida; na melhor das hipóteses, a cozinha passa a ocupar um espaço anexo à casa.

A persistência deste património da arquitetura popular dá-se por condicionamentos económicos, porque quem os habita não encontra alternativa, persistindo a luta diária pelo sustento, trabalhando a família nas atividades agrícolas, na pesca e no bordado (as mulheres).

Os modelos surgidos na primeira metade do século, derivam dos modelos antigos, mas são, por vezes autênticas réplicas, mandadas construir pela primeira vaga de emigrantes enriquecidos (Brasil, especialmente), e só sabemos que são modernas pelas datas inscritas nas chaminés, pelas confirmações dos proprietários e pelos materiais utilizados.

A partir dos anos 60/70 surgem modelos utilizados pela última geração de emigrantes (Venezuela e África do Sul); aparece a casa de grande dimensão e o escalonamento em vários andares.

Hoje temos modelos inventados e reinventados, influenciados pela reorganização social e do espaço. Estamos perante um "abastardamento" (já iniciado nos anos 50/60) ou desaparecimento (início dos anos 70) de muitos exemplos de grande valor cultural e social. A expansão económica, as possibilidades de crédito que os bancos oferecem, a exteriorização de poder económico através de sinais visíveis veiculados pela construção, a televisão, a procura de um modus vivendi com caraterísticas urbanas, levam a uma intervenção, por vezes desequilibrada, do Homem na paisagem, avançando-se cada vez mais para a descaraterização do espaço. A abertura de vias rápidas encurtou as viagens e provocou uma procura constante, motivada pelo novo fenómeno migratório. Surgem as máquinas para habitar (apartamentos). Os que constróem unidades individuais, optam por casas de grandes dimensões, onde o índice de construção é totalmente desrespeitado e a casa absorve todo o espaço envolvente, deixando de haver lugar para o pequeno jardim ou "quintal", onde se exibiam os vasos e canteiros, memória de um tempo em que as flores faziam parte do imaginário popular. Quem as desenha e executa já não segue a linha de aprendizagem dos antigos mestres construtores.

A agricultura e a pesca representavam as principais atividades económicas nos primeiros tempos da vida de Machico, sendo o comércio apenas representado pelas mercearias de abastecimento dos bens essenciais, pelas "barracas" (lojas de legumes e frutas), pelas tabernas e pelas lojas de adelo. O trabalho da terra e a criação de gado praticava-se, essencialmente, nas terras mais altas e interiores do vale de Machico, tirando-se da terra o sustento da família e uns excedentes para vender no Mercado Municipal que já não tem essa função. A pesca era feita pelos homens que viviam na parte baixa do vale, muito próximo do mar, nos sítios da Misericórdia, da Banda d'Além e da Graça. Hoje, a pesca e a agricultura raramente ocupam as pessoas a tempo inteiro e a persistência é demonstrada apenas pelos mais velhos para quem seria muito difícil mudar de vida. A democratização do ensino, após o 25 de Abril, trouxe outras oportunidades e as habilitações das novas gerações já permitem ganhar a vida em profissões do setor terciário. Há um número considerável de pessoas a trabalhar nos serviços públicos e privados; para além dos serviços prestados pela administração municipal, Conservatória e Registo Civil, Finanças e Segurança Social, temos cinco agências bancárias sediadas em Machico. O comércio sofreu grandes transformações e das pequenas mercearias quase só há memória, pois a abertura de um grande espaço comercial provocou a urbanização dos hábitos. O turismo ganha cada vez mais importância, sendo de registar sete unidades hoteleiras em Machico e vinte restaurantes, cuja ementa faz constar, sempre, os pratos tradicionais onde o bife de atum e o milho frito não podem faltar. O setor secundário perdeu importância. A antiga Conserva de Peixe está desativada, o antigo Engenho de cana sacarina foi abandonado, vendido a particulares e transformado numa grande loja de materiais de construção. O artesanato apenas está representado pela única atividade que tem sobrevivido e persistido num trabalho de registo diário do universo feminino: o bordado.

 

  
Escola Básica e Secundária de Machico